quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Pais, tapas, filhos e beijos

Num domingo, há duas semanas, resolvi preencher tempo com filmes que havia comprado e não (re)visto, frutos daquelas promoções que a gente teima em aproveitar, mesmo sem ter tempo. Peguei dois filmes que, coincidência ou não, estavam juntos na prateleira de casa. E vi sem perceber de início o quanto os dois se completavam.

O Campeão
 (The Champ - 1979)

Billy Flynn (Jon Voight) é um ex-boxeador que abandonou o esporte por problemas pessoais e passou a adestrar cavalos. Ele cuida do filho, T. J. (Rick Schroder), sem a ajuda da mãe que, para todos os efeitos, está morta. Para esquecer os fracassos da vida, Billy vive de boemia e jogatina. Viciado e desacreditado, o adestrador chega a roubar o filho para jogar. Mas o filho não se importa. Para T. J., Billy será sempre um campeão. A trama ganha força com a entrada de Annie (Faye Dunaway), uma misteriosa ricaça que conhece o garoto em uma corrida de cavalos.

Embora o filme de Franco Zeffirelli mostre a trajetória de um homem que tenta superar os fracassos, fica claro que Billy não é um ex-boxeador, um adestrador ou um viciado em jogos. Billy é um pai. Essa é a maior força do filme e é disso que ele trata. A maior frustração de Billy é não ser mais o campeão, como o filho insiste em chamá-lo. Não corresponder à imagem que T. J. faz dele é o que o move, para o bem e para o mal. E quando Annie aparece na história, Billy ganha o estímulo necessário para mostrar ao mundo que continua sendo um campeão.

Na primeira vez que vi este filme, eu era mais novo que o filho do Campeão. Lembro de ter chorado como uma criança. Na época, eu já era órfão de pai e sempre imaginei que a reação tinha a ver com o tema. Mas revi o filme e voltei a chorar. Não teve como. O melodrama escorre por cenas capazes de fazer o mais duro dos machões soluçar como uma menina. E boa parte do mérito vai para Rick Schroder, um ator mirim como poucos. Ele não é do tipo que dança e canta. Embora o lado da ingenuidade do personagem pese, é na interpretação que o menino ganha o filme.

Dessa vez, a cena que mais chamou a atenção não foi uma das que lembrava, das que faziam chorar. A que mais marcou foi uma cena forte em que o pai tenta fazer o filho deixar de idolatrá-lo. Ele precisa fazer com que o filho o deixe e, numa discussão, dá um tapa no garoto. O tapa é dado também no espectador, que sente a dor de ambos. Em época de politicamente correto e de educação sem palmada, o tapa fica até mais agressivo.

Depois de algumas lágrimas, fui ao segundo filme.

Ladrões de Bicicleta
(Ladri di Biciclette – 1948)

Na Itália do pós-guerra, o desemprego é grande e o trabalhador tem dificuldades para sustentar a família. Antonio Ricci (Lamberto Maggiorani) é um desses casos. Um posto para colar cartazes de cinema é oferecido, mas, para tal, o interessado precisa ter uma bicicleta. Antônio penhorou a sua e precisa recuperá-la. Para ajudar o marido, Maria (Lianella Carell) vende os lençóis da casa para conseguir dinheiro. No primeiro dia de trabalho, Antônio está distraído quando um jovem rouba a tão necessária bicicleta. A partir daí, com a ajuda do filho Bruno (Enzo Staiola), Antônio parte atrás do ladrão, em uma busca por diversos pontos da cidade de Roma.

Assim como o de Zeffirelli, o filme neo-realista de Victorio De Sica também narra a trajetória de um homem em busca da dignidade. Embora a intenção fosse mostrar a realidade e discutir o drama de uma geração, criando um retrato da Itália do fim da década, a história enquadra a jornada de Antônio também pelo aspecto da obrigação (naquele momento, essencialmente masculina) de prosperar e cumprir sua função social de provedor.

Os pontos de interseção entre os dois filmes vieram através de um novo tapa. Bruno acompanha Antônio em toda a trajetória. Sempre ao lado, tentando andar no ritmo do passo do pai, tentando ser útil. Em determinado momento, cansado, Bruno deixa de obedecer ao pai e Antônio, também num momento de extrema irritação, desconta no filho. A primeira reação que tive foi: “Eita, quanto tapa na cara!” Depois, foi inevitável a comparação entre os filmes e a observação maior dos mesmos pontos no qual o primeiro se destacara.

Antes do tapa, Enzo Staiola era o menino que dava um pouco mais de vida à trajetória do protagonista. Depois, o garoto foi roubando a cena, aos poucos. Talvez, por minha maior percepção. Em todo caso, vi ali outro ator mirim digno de prêmio da categoria. E a partir dali comecei a focar mais no filme pelo viés da paternidade. Antônio leva o filho como ajudante, mas também para plantar a semente da responsabilidade e da abnegação. Mesmo quando erra o passo e toma as atitudes erradas, Antônio é exemplo para Bruno. Mesmo quando Bruno tem mais consciência do que o pai. Mesmo quando Bruno precisa ser o apoio para o pai não desabar.

Fiquei com as duas histórias na cabeça. Com a proximidade do dia dos pais, foi inevitável lembrar essa coincidência e pensar na reflexão que os filmes, em conjunto, trouxeram. Não sou pai e perdi o meu muito cedo, mas me atrevo a afirmar que a moral de todas as histórias entre pais e filhos, com ou sem tapas e beijos, é... Na vitória ou no fracasso, na alegria ou na vergonha, o que um filho mais quer é poder andar ao lado do pai e segurar a mão dele. E, mesmo que falho, imperfeito e desvirtuado, poder chamá-lo de campeão.