sábado, 18 de janeiro de 2014

Viver é perder(-se em) referências (versão 2014)

Eu não conheço mundo diferente.
Em conversa com quem veio depois, sempre há estranheza.
Porque muito se perde.
Pouco se reconhece.

Para mim, não há mundo sem certos momentos, sons, cores, imagens ou certas personalidades.
Por piores que sejam.
Por melhores que sejam.
Por mais esquecidos no tempo, eles ficam.

Não há mundo sem cores fosforescentes, cabelos arrepiados, chuteiras pretas ou ombreiras largas.
Não há mundo sem camisa de Bali, de flanela, tênis Reebok (até hoje) ou sapato Nauru.
Não há mundo sem bola de espelhos, prédios com varandas de ferro, largos canteiros de cimento com árvores e flores.

São verões com Marina - sem Lima, André di Biase, pasta d'água, videocassete, picolé da Gelatto e caça a tatuí. Invernos com retalhos, lenços e caixas de fósforo, bigode pintado, estalinho, bombinha e banderolas.
É ouvir Roupa Nova e A Cor do Som e idealizar viagens a sítios com varanda.
É ouvir "Drão", "Sina", "Menino do Rio", "Perigo" e, mesmo que sem predileção ou sem um momento especial, ter a certeza de que aqueles acordes fazem parte da trilha de uma vida.
Blitz, Ultraje e Léo Jaime como exemplo de muitos sucessos radiofônicos e febre juvenil.
Elis Regina, Clara Nunes, Tim Maia, Cazuza, Gonzagão, Gonzaguinha, Cassia Eller, Renato Russo, Raul Seixas... Artistas e pessoas reais, não personagens de ficção.
Chico, Caetano & Cia como sinônimo de liberdade de expressão.



É ver filme antigo e saber as falas de cor, pela época de acesso escasso e pouca opção.
É ver programa de TV antigo com familiaridade, por mais que a maior parte do elenco já tenha ido dessa pra melhor.
É ver a nova novela das 19hs, mas só reconhecer ali a voz do Esqueleto.
É riso com Costinha, Zezé Macedo, Carlos Leite, Walter D'Ávila, Rogério Cardoso, Nair Bello...
Senna e Piquet nas pistas, Oscar e Hortência na cesta, Guga e Meligeni no saibro e Bernard e Tande em jornada nas estrelas.
Falcão, Júnior, Neto, Roger e Casagrande longe dos comentários.
Pelé em videotape nos campos e no imaginário infantil.
Lídia Brondi, Patrícia Perrone e Ana Paula Arósio, atuando e povoando nossos sonhos.
Mulatas de Sargentelli, loiras de Fausto Fawcett, e mulheres ainda não tão musculosas ou artificiais.

Tancredo Neves, Ulysses Gumarães, Itamar Franco e outros enaltecidos, criticados ou esquecidos.
Brizola como símbolo de polêmica, com o dedo na ferida alheia.
Gabeira como símbolo de defesa ao Meio Ambiente, e até meio ridicularizado por isso.
Sarney como símbolo de... Er. Bem, esse continua o mesmo.

Mônica e Cebolinha de criança pra criança.
Pererê em quadrinho e musical.
X-Men nos quadrinhos e com uniformes coloridos.
Maria Clara Machado, Ruth Rocha, Monteiro Lobato... Manual do Escoteiro Mirirm.
Disquinho e Série Taba na vitrola. Rock na vitrola. Pop na vitrola. Thriller na vitrola.
Beatles na memória afetiva.

Machado de Assis e José de Alencar nos trabalhos de escola.
Jorge Amado nos livros, na TV e no cinema.
Jornal do Brasil nas bancas.
Tivoli Park e Drive-in na Lagoa.
Festas no Rio Sul e shows no Canecão.
Provas pelo mimeógrafo. Telejogo, Atari, Phantom System, fita cassete, walkman, mensagem pelo pager.
Telefone com fio, sem fio, de discar, com secretária eletrônica Cobra.

Chacrinha aos sábados. Didi, Dedé, Mussum e Zacarias aos domingos.
Paulo Francis e as imitações de Paulo Francis.
Dercy Gonçalves, Hebe Camargo, Oscar Niemeyer, José Lewgoy, Mário Lago, Dorival Caymmi, Jamelão, Grande Otelo, Oswaldo Louzada, Célia Biar, Henriqueta Brieba... 'Mas velho mesmo é o Austregésilo de Athayde'.

Assim o mundo continua pra mim.
Hoje entendo os textos, as músicas, as conversas de quem veio antes.
Hoje entendo saudade em outro patamar.
Hoje entendo, mais uma vez, que viver é perder(-se em) referências.