Eu era pequeno nos anos 80. Embora todos falem da década perdida, da crise, da hiperinflação, de certa alienação, e eu guarde lembrança de tudo, o que fica daqueles anos são cores fortes e imaginação. Não apenas por uma visão infantil pessoal, mas por uma visão coletiva quase infantil. Eram anos de liberação, com alguns efeitos da revolução sexual e a esperança pela abertura política, pelo fim da censura, por democracia. Os anos 80 foram anos de experimentação. De sonhar e errar... Mas de tentar.
Do meu lado, fui sensorialmente bombardeado por uma cultura comercial. E, para o bem e para o mal, muitas referências vieram de lá... Dessas que passarei a vida a perder (-me em).
Hoje revi o trailer de A Farra do Circo, documentário que estreia no próximo dia 29. Nos tempos da faculdade, pensei em fazer a monografia sobre a história do Circo Voador. O Asdrubal, o BRock 80, os doidões, o ideal de muiti-arte, o espaço independente... Tudo misturado. Não consegui contato do Perfeito Fortuna, consegui contato da Juçá, mas como a comunicação era mais difícil, a internet não era uma ferramenta tão poderosa e o Circo não havia voltado à ativa, a documentação se tornava difícil. Antes mesmo de iniciar, outro tema surgiu, mais acessível, e deixei aquilo de lado... Deixei de lado, mas sempre me perguntei por que não havia livro ou, depois da Retomada, um filme sobre o Circo. Afinal, a geração internética do Rio não viu outro Circo Voador além da casa de shows de hoje, que pouco tem a ver com aquele Circo...
Pois bem... Agora temos livro, temos filme. E vendo as imagens da época, vejo o quanto precisamos dos anos 80 (dos 60, dos 70).
Como dizia Cazuza, “eu vejo um museu de grandes novidades”. Embora a vida hoje seja aparentemente avançada, em muitos pontos andamos para trás. A mãe da criança sexualizada de hoje é a mesma que sustenta um discurso preconceituoso e conservador. Temos democracia, mas ainda estamos presos à politicagem. No fundo, não decidimos nada. Temos liberdade de expressão, mas cresce a censura de um suposto bom senso, do politicamente correto. Um controle maior do que na própria época de abertura. Temos uma insatisfação enorme, aliada a um cotidiano acomodado.
Com passeatas, greve e a proximidade de uma Eleição sem escolhas, nada mais explica o que nos falta do que o comentário de Perfeito Fortuna no trailer: “... É um movimento da gente de parar de reclamar pra poder agir. Descobrir que quem tem o poder de fazer somos nós”. Sim... Muito lugar comum. Muito repetido. Muito discurso de pós-hippie, sonhador, inocente. E como eu já disse, quase infantil. Mas talvez seja esse o nosso problema. Hoje temos que ser muito excepcionais, originais, novos. Ao mesmo tempo, muito amadurecidos, responsáveis e calejados, o tempo todo. Tão excepcionais que não podemos ser coletivos. Tão novos que deixamos de lado o básico. Tão amadurecidos, responsáveis e calejados que nos esquecemos de errar, aprender, experimentar. De realmente tentar. E principalmente, de sonhar e acreditar...
Por medo de parecermos inocentes demais.
Hippies demais.
Iludidos demais.
Perdidos demais.
Mas... Será que não estamos?
Por medo de parecermos inocentes demais.
Hippies demais.
Iludidos demais.
Perdidos demais.
Mas... Será que não estamos?