domingo, 25 de maio de 2014

Viva o Circo!

Eu era pequeno nos anos 80. Embora todos falem da década perdida, da crise, da hiperinflação, de certa alienação, e eu guarde lembrança de tudo, o que fica daqueles anos são cores fortes e imaginação. Não apenas por uma visão infantil pessoal, mas por uma visão coletiva quase infantil. Eram anos de liberação, com alguns efeitos da revolução sexual e a esperança pela abertura política, pelo fim da censura, por democracia. Os anos 80 foram anos de experimentação. De sonhar e errar... Mas de tentar.

Do meu lado, fui sensorialmente bombardeado por uma cultura comercial. E, para o bem e para o mal, muitas referências vieram de lá... Dessas que passarei a vida a perder (-me em).

Hoje revi o trailer de A Farra do Circo, documentário que estreia no próximo dia 29. Nos tempos da faculdade, pensei em fazer a monografia sobre a história do Circo Voador. O Asdrubal, o BRock 80, os doidões, o ideal de muiti-arte, o espaço independente... Tudo misturado. Não consegui contato do Perfeito Fortuna, consegui contato da Juçá, mas como a comunicação era mais difícil, a internet não era uma ferramenta tão poderosa e o Circo não havia voltado à ativa, a documentação se tornava difícil. Antes mesmo de iniciar, outro tema surgiu, mais acessível, e deixei aquilo de lado... Deixei de lado, mas sempre me perguntei por que não havia livro ou, depois da Retomada, um filme sobre o Circo. Afinal, a geração internética do Rio não viu outro Circo Voador além da casa de shows de hoje, que pouco tem a ver com aquele Circo...



Pois bem... Agora temos livro, temos filme. E vendo as imagens da época, vejo o quanto precisamos dos anos 80 (dos 60, dos 70).

Como dizia Cazuza, “eu vejo um museu de grandes novidades”. Embora a vida hoje seja aparentemente avançada, em muitos pontos andamos para trás. A mãe da criança sexualizada de hoje é a mesma que sustenta um discurso preconceituoso e conservador. Temos democracia, mas ainda estamos presos à politicagem. No fundo, não decidimos nada. Temos liberdade de expressão, mas cresce a censura de um suposto bom senso, do politicamente correto. Um controle maior do que na própria época de abertura. Temos uma insatisfação enorme, aliada a um cotidiano acomodado.

Com passeatas, greve e a proximidade de uma Eleição sem escolhas, nada mais explica o que nos falta do que o comentário de Perfeito Fortuna no trailer: “... É um movimento da gente de parar de reclamar pra poder agir. Descobrir que quem tem o poder de fazer somos nós”. Sim... Muito lugar comum. Muito repetido. Muito discurso de pós-hippie, sonhador, inocente. E como eu já disse, quase infantil. Mas talvez seja esse o nosso problema. Hoje temos que ser muito excepcionais, originais, novos. Ao mesmo tempo, muito amadurecidos, responsáveis e calejados, o tempo todo. Tão excepcionais que não podemos ser coletivos. Tão novos que deixamos de lado o básico. Tão amadurecidos, responsáveis e calejados que nos esquecemos de errar, aprender, experimentar. De realmente tentar. E principalmente, de sonhar e acreditar...
Por medo de parecermos inocentes demais.
Hippies demais.
Iludidos demais.
Perdidos demais.
Mas... Será que não estamos?

quarta-feira, 2 de abril de 2014

O livro da cara

E eis aí o que alimenta o livro de caras...
Onde Samuel ostenta, Cássio argumenta, Rafael opina, Marton ironiza.

Lá, Brunas mostram sua posição e sua força.
Brunos mostram-se menos. Assim como os Marcus.
Joanna, mostra o filho.
Joana, o marido.
Joana, os novos filmes, projetos, portos.
Joana, a banda, o novo disco.

Ricardo tem sempre algo de Pop para divulgar.
Ricardo tem sempre algo de engraçado a dizer.
Ricardo tem sempre uma voz nova para mostrar.
Ricardo, já saudoso, lembra da exibição da obra de Ricardo.

Alice mostra que é mais mulher ao ser mãe, enquanto Alice, que ainda não é mãe, se mostra e defende seu lado mulher.
Anas Paulas postam suas fotos de viagens, passeios, sociais, famílias... Vida.

Kakau se espalha por vários lugares.
Aninha e Adriane dividem humor escrachado.
Matheus e Dalila compartilham humor negro.
Bernardo fala em inglês, Maria Flor em espanhol, Renan em alemão.
Cristino, Paula, Guido, Jaime reafirmam raça e cultura.
Fernanda, Júlia, Clarissa, Caroline, Claudinha, Léo, Rodrigo gritam sua revolta.

Daniela, Marcela, Roberta, Rafaela, Carolina, Marina vendem seu peixe.
Sebastião e Gilson dão recados a alunos de todos os tempos.
Diana, Marcos, Fabiana, Mariana, Ana Beatriz, Bruno na perda de peso e conquista de saúde.

Alexandre se diverte com os filhos de idades diferentes.
Tula exibe a linda e mais que diversa família.
No orgulho dos filhos, Bernardo, Alice e Gabriel, João Victor, João Vicente, Manu, Malu, João Pedro e Luiza, Bebel, Victor e Cissa, Lucas, Lucas e Thiago, Maria Clara e Isadora, Duda, John e Mick, Sara, João Guilherme e Henrique, Dudu e Sofia... E muitos. Com direito a espera por Laurinha, Davizinho...
Na paixão pelos animais, Calvin, Mel, Giordano, Kiki, Rosa, Faísca...

A fé e a espiritualidade vêm por Reginas, Rosy, Lívia, André, Tiago, Ricardo, Maria de Fátima, Simone, Silvia.
A briga do futebol vem de casa, por Frederico, Fátima, João, Alexandre, Rogério, Marco, Belmira, Fabíola.
As fotos de Simone, Wagner, Eduardo, Marília, Carlos William.
As bebidas de Daniel, Rafael, Graziella, "Mba"...

Giovana, que é de novela, fala de notícia.
Laís, que é de notícia, fala de novela.
Ana faz samba.
Alex C. e Alexandre C. poetizam.
As Artes Visuais, cores e imagens aparecem por Alex, Rodolfo, Leonardo.
O Cênico por Cristiane, Bianca, Lauras, Vinícius, Zé, Raquel, João, Catarina, Lívia, Márcia, Reinaldo.
O Audiovisual por Priscila, Wilson, Aline, Jess, Brunos, Anna, Leonardo, Cadu, Elder, Pedros, João Paulo...
A Musicalidade por Guto, Rennas, Augusto, Bel, Daniel, Flavinha, Leonardo, Jackson, Eduardo...

Por fim, os Passarinhos de Estevão, as Baratas (sumidas) de Leo e a Bipolar de Antonio.
Sangue de Barradas, constatações de Constant, tudo aquilo de Aquino.
E o Mário... Vestido de Homem-Aranha.

Cada um é o que pode ser.
Cada um mostra o seu lado mais presente.
Cada um mostra a face que lhe convém.

Assim segue o livro, que é página...
Além de rostos, um oceano de nomes, similaridades e, por sorte minha, diferenças.

terça-feira, 25 de março de 2014

Proezas de Proença

Nos idos do meu curso de Comunicação Social, Ivan Proença era o carrasco da FACHA. Para os ainda adolescentes e jovens, o ex-militar, com sua postura severa e carrancuda, era sinônimo de medo e pressão. Professor de Formação da Cultura Brasileira e Cultura Brasileira Contemporânea, Ivan também era contrário àquilo que boa parte dos alunos prezavam como 'expressão artística', o que dificultava a simpatia e a comunicação. Embora ouvíssemos histórias, não conhecíamos nosso professor além daquela capa.

Na época, minha turma foi uma das primeiras a ter 100 por cento de aprovação na cadeira que ele lecionava, motivo para elogios no fim do curso. A relação foi amenizada ali, depois do esforço coletivo. Anos depois, lembro da grata surpresa de ver o professor dançando ao som de Beatles, em um show da banda cover de outro professor. Mas a real influência de professores como Proença (e dos muitos colegas) só foi sentida com o tempo... Afinal, foi lá que, como todo estudante de Comunicação, abri a cabeça pro mundo e pro próprio Brasil.




Ontem, com a estreia da série 'Os Advogados contra a Ditadura' e a divulgação do filme 'Os militares que disseram não" - ambas da Caliban Produções Cinematográficas, Ivan voltou para a vida de muitos 'fachistas', lembrando aos que um dia o julgaram um carrasco que ele sempre foi o oposto. Ali, ele aparece como o então capitão do Regimento Presidencial que, no dia 01 de abril de 1964, cercou e apontou as armas de sua tropa contra golpistas que encurralaram centenas de estudantes e trabalhadores no Largo do CACO. Preso logo depois do feito, Ivan foi levado para a Fortaleza de Santa Cruz e, depois, para o Forte Imbuí. Deixou as Forças Armadas, foi cassado e perseguido por vinte anos.

Como diria o ficcional e também professor Dumbledore (o Pop para descontrair o texto): "É necessária muita audácia para enfrentar nossos inimigos, mas maior audácia para enfrentar nossos amigos." Embora hoje os golpistas não sejam considerados amigos, na época era bater de frente contra o próprio lado para defender o que se acha certo. Isso não é fácil... E, seguindo as palavras do jurista Sobral Pinto, citado no documentário: Não é coragem... É capacidade de se indignar.

Ontem e hoje, por diversos motivos, colegas agradecem pelo fato de terem sido alunos de Ivan Proença. Eu vou além... Muitas vezes visto como correto demais, carrancudo demais e indignado demais, peço apenas para que um dia possa ter a mesma audácia.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Percepção Atrapalhada

O tempo brinca com a nossa percepção...
E faz com que ela se torne frágil e equivocada.

Um exemplo.
Quando criança, Os Trapalhões eram os super, super-heróis brasileiros.

O Didi de Renato Aragão era exemplo de imperfeição. Malandro, sacana, debochado. Alma de moleque. Talvez por ser o mais humano, no fim, era o que detinha a maior graça.

Dedé, como escada, era o que mais sofria. Muitas vezes ele exercia um tipo de liderança e, por ter a cabeça no lugar, era o que se preocupava em ganhar dinheiro. Por ser o mais sério, era o mais sem graça.

Mussum era o mais caricato. O que usava mais bordões, tinha uma linguagem própria e, por isso, o personagem mais bem construído.

Zacarias era a ingenuidade. E, por representar a pureza da criança, era o que mais trazia o sentido de amizade. Ao lado de Mussum, parecia ser apenas número para formar grupo. Mas era ele, sensível, querido e protegido, quem tinha a qualidade para unificar os quatro. E esse era seu maior mérito.



O tempo passou. Dois deles morreram, os outros dois seguiram.
Eu, é claro, cresci.
E minha percepção mudou.
Hoje, meus heróis são bem mais humanos.

Zacarias, sem dúvida, era o melhor ator. Não se via o homem por trás da ingenuidade, porque aquele era quem ele deveria ser e era aquilo que queria representar... A pureza da criança. No fim, era ele o personagem mais caricato e mais bem construído.

Mussum, apesar dos bordões e da linguagem própria, era uma extensão do próprio homem por trás do personagem. Malandro, sacana, debochado. Alma de moleque. Talvez por ser o mais humano, era o que detinha a maior graça.

Dedé foi o que mais sofreu. No meio dos anos 80, quando o grupo se separou comercialmente de Aragão nos cinemas, ele parecia exercer maior liderança no trio formado com os demais. Talvez, por proteção do que era seu e dos amigos. No fim, foi o que trouxe maior sentido de amizade. Nas entrevistas posteriores, é o mais sensível, que expressa saudade dos que foram com sinceridade mais aparente. Era ele, como escada, quem tinha a real qualidade para unificar os quatro.

O Renato Aragão de Didi foi exemplo de imperfeição. Ele sempre exerceu um tipo de liderança e foi ele quem formou o grupo. E esse foi o seu maior mérito. Mas era ele quem mais se preocupava e sabia ganhar dinheiro. E por ter esse lado mais sério, no fim, foi o mais sem graça.

O tempo brinca com a nossa percepção...
E faz com que ela se torne frágil e equivocada.

Talvez ainda faça.
Porque é mera percepção.
E se está próxima da verdade... Talvez nem o próprio tempo possa dizer.

E isso serve para qualquer percepção, muito além deste exemplo meio atrapalhado.

)

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Colombina Yê Yê Yê (ou Os Rabugentos também vão para o Céu)

Certas perdas não podem ser descritas em palavras.
Hoje li um texto de Veríssimo, que fala de uma frase de Nietzsche: “Aquilo para o qual encontramos palavras é algo que já morreu em nossos corações.” 
Talvez seja por isso que certas perdas não possam ser descritas.
(Embora a interpretação do texto seja outra...)

No último fim de semana, minha família teve uma dessas perdas.
As palavras não vieram até agora...
Não apenas porque foi grande, foi próxima, mas porque é muita coisa pra lembrar.

O que posso dizer é que ela tinha um lado rabugento, com o qual, de vez em quando, me identificava. 
De vez em quando porque éramos... Somos rabugentos por motivações diferentes.
Mas o que importa é tudo que puxei dela, inclusive isso. 
Além, é claro, do que a gente herda de ensinamento...
Aquilo que fica preso na memória. Toda informação ou todo conselho.
(E eu aproveitei muito o tempo, enquanto ela teve memória.)

Na semana passada, o Carnaval já se aproximava sem muita animação.
A notícia caiu como uma bomba no pouco que restava...

A semana seguiu. Com o tempo, a gente começa a deixar a tristeza mais profunda sair.
E como ela não era muito dada a Carnaval, imaginei que, embora já não seja uma época que condiga com luto, não haveria muito como associar o evento a ela. 
Ontem, no entanto, vi que uma pessoa que faz parte de você não escolhe tempo, lugar ou situação para aparecer.

 - Pausa para uma explicação...

Na época da Faculdade, tive uma cadeira fundamental: Formação da Cultura Brasileira. Embora nem todos aqueles jovens levassem a sério, acredito ser o tipo de matéria que qualquer jovem deveria ter. 
Um dos trabalhos para avaliação era a pesquisa sobre um nome antigo da Música Brasileira. Eram músicos, cantores ou compositores sobre os quais nunca ouvíramos falar. 

Fui sorteado com Roberto Audi, cantor e compositor da Era do Rádio. Minha fonte inicial foram as bibliotecas, mas em determinado momento recorri a ela, que vivera aquela época de perto, com um marido motorista da Rádio Nacional e uma cunhada cantora de Rádio. As conversas foram muitas e as lembranças eram muito presentes... Como, aliás, eram as conversas sobre o passado em geral. Porque a nostalgia também foi uma herança dela. 

A partir dali, passei a escutar muito mais a música da época. Do Trio de Ouro ao Trio Irakitan, de Blecaute às Irmãs Batista...
Cheguei a conversar uma vez com Roberto Audi pelo telefone, mas, pela saúde já debilitada, não consegui marcar uma entrevista. Dois anos depois de entregar o trabalho, ele faleceu.
Lembro que partilhamos a notícia. 

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Ontem, saindo do trabalho, cruzei com um desses blocos do Centro. Sem o menor ânimo, desviei da rua. No caminho da faixa de pedestre, fui ouvindo a melodia da marchinha que animava os foliões. Colombina Yê Yê Yê, de João Roberto Kelly e David Nasser, um dos sucessos gravados por Roberto Audi. O sucesso, aliás, que ela lembrou assim que ouviu o nome do cantor.

Foi ali que me dei conta que a marchinha vai continuar tocando pelos carnavais afora e eu sempre lembrarei dela, em cada bloco, baile ou bar. Isso pode ser triste, mas também pode ser muito bom.

Neste Carnaval, pretendo fugir da tristeza. Ela ia querer isso.
Mas ainda fica aquela sensação... Não sei se caso ou compro uma bicicleta.
O melhor é deixar o vento levar.
E deixar as demais palavras sobre ela virem no seu tempo.

E que Roberto Audi - ao lado de Roberto Esteves e tia Regina - receba minha avó Maria com toda a festa. 
Para que, em tom de cumplicidade, ela se vire pra algum Rabugento do Céu e diga: - 'Nossa, mas essa música tá muito alta!'

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Brincando com meu delírio...

Ele era mesmo assim... De Lua.
Não virava a mesa, não era impulsão. Era intuição.
A Lua dele era a dos poetas. Era a noite, o mistério, a brandura.
Ele era dos seres que se esgueiram por esquinas, perdidos, com ou sem estímulo químico. Desses que, pálidos, nascem depois que as ruas se esvaziam e morrem quando o primeiro raio atinge o asfalto. Ele era uma parcela de saudade, um quê de exclusão e um bocado de solidão.

Foi em um dia de Sol, daqueles que causavam urticária, que Ele a conheceu.
Ela era mesmo assim... De Sol.
Mas Ela não era irritação. Era simples oposição.
O Sol dela era o dos exploradores. Era o dia, a exposição, a expansão.
Ela era dos seres que mergulham por praias, achados, com muito filtro solar. Desses que, bronzeados, nascem já correndo ao primeiro sinal de luz e morrem no primeiro bar. Ela era uma parcela de autoconfiança, um quê de aventura e um bocado de experimentação.

O tempo passou... E quis o destino que o amante da Lua se encantasse pela amante do Sol.
Não era interesse vil, mera intenção.
Era admiração.
Era transmutação.
Ele, que nunca escolhera a manhã como musa, encantado por um ser que queimava...
Mas a natureza já havia deixado o recado na pele.
Como o lobo e a águia que não poderiam se encontrar.

Dias e noites eram vividos, então, pelo sonho de ser apenas dia.
Ele daria as noites e a Lua para ser mais Sol... Só para se parecer mais com Ela.
Quem sabe assim Ela também se encantaria por Ele.
Mas a luz do Sol não deixava que Ela visse o esforço que Ele fazia para ser mais Ela.
E Ele vivia se alimentando do delírio de ser dia, sendo noite.
Sem declarações de poeta, sem a atração de seus próprios mistérios, sem a luz branda e natural dos que se banham com a Lua. Sem aquilo que Ela também poderia admirar.

Um dia, Ela partiu para uma longa viagem... 
Foi em busca de luz e encontrou o Sol.
O Sol, mais firme, radioso e o sonho de quem queimava.
E quis o destino que Ela se entregasse de uma vez aos braços do Sol.
E Ele, que ficara em terra, não teve mais chance de exibir sua luz.

Hoje, Ele vive mais perdido que os seres que se esgueiram pelas esquinas junto da Lua.
Porque a Lua, desprezada, não o reconhece mais como amante.
E o deixa desfrutar apenas momentos limites a seu reino noturno...
Hoje, Ele vive apenas o nascer e o pôr do Sol.
Na esperança de que, um dia, aquela por quem se encantou passe, entediada, pendurada ao braço do Sol.
Quem sabe, Ela o veja e o sinta.
Quem sabe, Ela o reconheça e sorria.
Quem sabe, Ela ameace soltar o braço do Sol.
E Ele brilhe, mais uma vez, à luz de seu delírio.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Viver é perder(-se em) referências (versão 2014)

Eu não conheço mundo diferente.
Em conversa com quem veio depois, sempre há estranheza.
Porque muito se perde.
Pouco se reconhece.

Para mim, não há mundo sem certos momentos, sons, cores, imagens ou certas personalidades.
Por piores que sejam.
Por melhores que sejam.
Por mais esquecidos no tempo, eles ficam.

Não há mundo sem cores fosforescentes, cabelos arrepiados, chuteiras pretas ou ombreiras largas.
Não há mundo sem camisa de Bali, de flanela, tênis Reebok (até hoje) ou sapato Nauru.
Não há mundo sem bola de espelhos, prédios com varandas de ferro, largos canteiros de cimento com árvores e flores.

São verões com Marina - sem Lima, André di Biase, pasta d'água, videocassete, picolé da Gelatto e caça a tatuí. Invernos com retalhos, lenços e caixas de fósforo, bigode pintado, estalinho, bombinha e banderolas.
É ouvir Roupa Nova e A Cor do Som e idealizar viagens a sítios com varanda.
É ouvir "Drão", "Sina", "Menino do Rio", "Perigo" e, mesmo que sem predileção ou sem um momento especial, ter a certeza de que aqueles acordes fazem parte da trilha de uma vida.
Blitz, Ultraje e Léo Jaime como exemplo de muitos sucessos radiofônicos e febre juvenil.
Elis Regina, Clara Nunes, Tim Maia, Cazuza, Gonzagão, Gonzaguinha, Cassia Eller, Renato Russo, Raul Seixas... Artistas e pessoas reais, não personagens de ficção.
Chico, Caetano & Cia como sinônimo de liberdade de expressão.



É ver filme antigo e saber as falas de cor, pela época de acesso escasso e pouca opção.
É ver programa de TV antigo com familiaridade, por mais que a maior parte do elenco já tenha ido dessa pra melhor.
É ver a nova novela das 19hs, mas só reconhecer ali a voz do Esqueleto.
É riso com Costinha, Zezé Macedo, Carlos Leite, Walter D'Ávila, Rogério Cardoso, Nair Bello...
Senna e Piquet nas pistas, Oscar e Hortência na cesta, Guga e Meligeni no saibro e Bernard e Tande em jornada nas estrelas.
Falcão, Júnior, Neto, Roger e Casagrande longe dos comentários.
Pelé em videotape nos campos e no imaginário infantil.
Lídia Brondi, Patrícia Perrone e Ana Paula Arósio, atuando e povoando nossos sonhos.
Mulatas de Sargentelli, loiras de Fausto Fawcett, e mulheres ainda não tão musculosas ou artificiais.

Tancredo Neves, Ulysses Gumarães, Itamar Franco e outros enaltecidos, criticados ou esquecidos.
Brizola como símbolo de polêmica, com o dedo na ferida alheia.
Gabeira como símbolo de defesa ao Meio Ambiente, e até meio ridicularizado por isso.
Sarney como símbolo de... Er. Bem, esse continua o mesmo.

Mônica e Cebolinha de criança pra criança.
Pererê em quadrinho e musical.
X-Men nos quadrinhos e com uniformes coloridos.
Maria Clara Machado, Ruth Rocha, Monteiro Lobato... Manual do Escoteiro Mirirm.
Disquinho e Série Taba na vitrola. Rock na vitrola. Pop na vitrola. Thriller na vitrola.
Beatles na memória afetiva.

Machado de Assis e José de Alencar nos trabalhos de escola.
Jorge Amado nos livros, na TV e no cinema.
Jornal do Brasil nas bancas.
Tivoli Park e Drive-in na Lagoa.
Festas no Rio Sul e shows no Canecão.
Provas pelo mimeógrafo. Telejogo, Atari, Phantom System, fita cassete, walkman, mensagem pelo pager.
Telefone com fio, sem fio, de discar, com secretária eletrônica Cobra.

Chacrinha aos sábados. Didi, Dedé, Mussum e Zacarias aos domingos.
Paulo Francis e as imitações de Paulo Francis.
Dercy Gonçalves, Hebe Camargo, Oscar Niemeyer, José Lewgoy, Mário Lago, Dorival Caymmi, Jamelão, Grande Otelo, Oswaldo Louzada, Célia Biar, Henriqueta Brieba... 'Mas velho mesmo é o Austregésilo de Athayde'.

Assim o mundo continua pra mim.
Hoje entendo os textos, as músicas, as conversas de quem veio antes.
Hoje entendo saudade em outro patamar.
Hoje entendo, mais uma vez, que viver é perder(-se em) referências.