Como ser humano, vivo a dúvida.
Como ser humano, busco sonho e presságio.
Mais que a esperança... Busco certeza.
Peço a Deus por um pouco de força e coragem.
Vivo um momento de seguir o meu caminho.
E já tomei a decisão de seguir para outro lado da estrada...
Mas será que dessa vez haverá outro muro?
Será que haverá chão até o fim?
E o medo?
Piedade ao careta. Piedade ao covarde. Senhor, piedade. Já dizia o poeta...
E depois de muito tempo de ansiedade e indecisões, consigo um dia de paz.
Chego em casa e ligo o computador.
Estou cansado. Procuro refúgio.
Estou seguindo para mais uma noite igual.
Eis que - mais uma vez - mergulhado em preocupações, me vejo no escuro.
Desta vez, um escuro real.
Escuro sem tecnologia e modernidade.
Escuro sem refúgios artificiais.
Escuro sem conotações.
Procuro então a mobilidade. A bateria. O fone de ouvido.
E música para o tempo que passará arrastado.
Deito na cama e imagino que o melhor é deixar o som trazer o sono.
A brisa é leve e não leva o calor.
O sono custa a chegar... E não é o suor que o mantém distante.
A culpa é da luz.
Mas a luz foi embora...
O prédio na frente compartilha as trevas.
O quarteirão inteiro está apagado.
Que luminosidade é essa que invade o quarto?
Chego na sala, também iluminada.
Da varanda, vejo pela primeira vez.
A noite já está no meio, mas não havia percebido que ela estava lá.
Branca como sempre.
Cheia e fabulosa.
Sento no chão e começo a encará-la. Estou só.
Já que não me deixará dormir, o melhor a fazer é contar com a companhia dela.
No ouvido, apenas o som da música. A vizinhança está calma.
E parece que, assim como eu, ela também precisa da minha companhia.
Piedade à inspiradora. Piedade à romântica.
Piedade àquela que antes dançava, e hoje foi esquecida.
Pois os amantes não têm mais tempo de notá-la.
Os poetas não buscam mais a criação da sua luz.
E os solitários não se refugiam em sua companhia.
Ficarei com ela.
Reflito sobre o presente e as aspirações.
Sobre o caminho.
Lembro do meu clamor por força.
E uma música começa a tocar...
"Pois o sol de um novo dia vai brilhar
E essa luz vai refletir na nossa estrada
Clareando de uma vez a caminhada
Que nos levará direto ao apogeu..."
Não é a luz do Sol, mas a luz está ali.
As lágrimas não tardam a chegar.
"Não era isso que você queria ouvir?"
A menina branca continua me olhando.
Começo a me sentir culpado.
Afinal, foi por mim que a luz faltou...
Um quarteirão inteiro às escuras, só pra que eu me encontrasse com ela.
Músicas calmas embalam nosso encontro.
Quando uma mais agitada começa a tocar, imagino festa no céu.
Eis ali mais que criação.
E a Mãe Natureza faz-se presente em outra canção.
Que começa a tocar...
(E eu, que nunca tinha parado pra entender, percebo que a letra também quer se encaixar)
"
I wanna turn the whole thing upside down
I'll find the things they say just can't be found
I'll share this love I find with everyone
We'll sing and dance to Mother Nature's songs
I don't want this feeling to go away"
Eu não quero ir embora.
E você permaneça onde está...
Pois o momento é único para nós dois.
Ela responde que sim. E fica mais luminosa.
Vaidosa de voltar a inspirar alguém.
As músicas seguem.
Os pensamentos seguem.
A noite segue.
Horas se passam...
Começo a pensar...
E se ela for ciumenta?
E se ela não quiser que as coisas dêem certo, porque quer mais momentos como esse?
Não, minha querida. Não peça por isso.
Você tem todo o universo.
Milhões de olhares aqui embaixo, que embora esquecidos, poderão voltar a te perceber.
Torça por mim. Que eu, na minha simplicidade e pequenez, consiga realizar alguns sonhos.
Prometo que lembrarei de você.
O seu brilho será a luz da minha vitória.
A reflexão segue.
Percebo que o prédio da frente não deixará que eu a veja por muito tempo.
Ela parece dizer a mesma coisa.
Está chegando a hora da despedida.
Celebremos este momento.
Façamos dele um pouco maior.
Vamos dançar em pensamento.
Nós e todos que presenciam esse momento.
Estejam onde estiver...
E não é que outra música toca pra que a festa se faça presente?
"Sexy Kung Fu Fighter
Let me take you higher"
Ela sabe que não luto Kung Fu.
Mas guerreiros estão aí... Na vida.
E hoje, foi ela que me levou mais alto.
Ah, não. Lá está indo ela...
Neste final, nuvens começam a encobri-la.
Até então, ela mostrou-se inteira.
Agora, começa a se esconder.
Talvez não queira que eu a veja triste...
Menos luminosa.
Adeus, garota.
E obrigado por clarear minha vida quando eu mais precisava.
Obrigado a Ele e a todos aí em cima, que participaram desse encontro.
E ela desaparece por trás do prédio...
Levanto-me.
Vou a cozinha e bebo um copo d´água.
Vou ao banheiro. Escovo os dentes...
E sigo para a cama.
Continuo ouvindo a música, agora sem muito significado.
O sono começa a chegar.
Vou apagar... Minha luminosidade também se foi.
Mas antes de adormecer, um último suspiro.
Um último som.
O boa noite.
Antes de me desligar do mundo...
Ela se faz presente com o beijo final.