O Campeão
Billy Flynn (Jon Voight) é um ex-boxeador que abandonou o
esporte por problemas pessoais e passou a adestrar cavalos. Ele cuida do filho,
T. J. (Rick Schroder), sem a ajuda da mãe que, para todos os efeitos, está
morta. Para esquecer os fracassos da vida, Billy vive de boemia e jogatina.
Viciado e desacreditado, o adestrador chega a roubar o filho para jogar. Mas o
filho não se importa. Para T. J., Billy será sempre um campeão. A trama ganha
força com a entrada de Annie (Faye Dunaway), uma misteriosa ricaça que conhece
o garoto em uma corrida de cavalos.
Embora o filme de Franco Zeffirelli mostre a trajetória de
um homem que tenta superar os fracassos, fica claro que Billy não é um ex-boxeador,
um adestrador ou um viciado em jogos. Billy é um pai. Essa é a maior força do
filme e é disso que ele trata. A maior frustração de Billy é não ser mais o campeão,
como o filho insiste em chamá-lo. Não corresponder à imagem que T. J. faz dele
é o que o move, para o bem e para o mal. E quando Annie aparece na história,
Billy ganha o estímulo necessário para mostrar ao mundo que continua sendo um
campeão.
Na primeira vez que vi este filme, eu era mais novo que o
filho do Campeão. Lembro de ter chorado como uma criança. Na época, eu já era órfão de
pai e sempre imaginei que a reação tinha a ver com o tema. Mas revi o filme e voltei a
chorar. Não teve como. O melodrama escorre por cenas capazes de fazer o mais
duro dos machões soluçar como uma menina. E boa parte do mérito vai para Rick
Schroder, um ator mirim como poucos. Ele não é do tipo que dança e canta. Embora o lado
da ingenuidade do personagem pese, é na interpretação que o menino ganha o
filme.
Dessa vez, a cena que mais chamou a atenção não foi uma das que lembrava, das que faziam chorar. A que mais marcou foi uma cena forte em que o pai tenta fazer o
filho deixar de idolatrá-lo. Ele precisa fazer com que o filho o deixe e, numa
discussão, dá um tapa no garoto. O tapa é dado também no espectador, que sente
a dor de ambos. Em época de politicamente correto e de educação sem palmada, o
tapa fica até mais agressivo.
Depois de algumas lágrimas, fui ao segundo filme.
Ladrões de Bicicleta
Na Itália do pós-guerra, o desemprego é grande e
o trabalhador tem dificuldades para sustentar a família. Antonio Ricci
(Lamberto Maggiorani) é um desses casos. Um posto para colar cartazes de cinema
é oferecido, mas, para tal, o interessado precisa ter uma
bicicleta. Antônio penhorou a sua e precisa recuperá-la. Para ajudar o marido,
Maria (Lianella Carell) vende os lençóis da casa para conseguir dinheiro. No
primeiro dia de trabalho, Antônio está distraído quando um jovem rouba a tão necessária bicicleta.
A partir daí, com a ajuda do filho Bruno (Enzo Staiola), Antônio parte atrás do ladrão, em uma busca por diversos pontos da cidade de Roma.
Assim como o de Zeffirelli, o filme neo-realista de Victorio
De Sica também narra a trajetória de um homem em busca da dignidade. Embora a
intenção fosse mostrar a realidade e discutir o drama de uma geração, criando
um retrato da Itália do fim da década, a história enquadra a jornada de Antônio
também pelo aspecto da obrigação (naquele momento, essencialmente masculina) de prosperar e cumprir
sua função social de provedor.
Os pontos de interseção entre os dois filmes vieram através
de um novo tapa. Bruno acompanha Antônio em toda a trajetória. Sempre ao lado,
tentando andar no ritmo do passo do pai, tentando ser útil. Em determinado
momento, cansado, Bruno deixa de obedecer ao pai e Antônio, também num momento
de extrema irritação, desconta no filho. A primeira reação que tive foi: “Eita,
quanto tapa na cara!” Depois, foi inevitável a comparação entre os filmes e a
observação maior dos mesmos pontos no qual o primeiro se destacara.
Antes do tapa, Enzo Staiola era o menino que dava um
pouco mais de vida à trajetória do protagonista. Depois, o garoto foi roubando
a cena, aos poucos. Talvez, por minha maior percepção. Em todo caso, vi ali outro
ator mirim digno de prêmio da categoria. E a partir dali comecei a focar mais no
filme pelo viés da paternidade. Antônio leva o filho como ajudante, mas também
para plantar a semente da responsabilidade e da abnegação. Mesmo quando erra o
passo e toma as atitudes erradas, Antônio é exemplo para Bruno. Mesmo quando
Bruno tem mais consciência do que o pai. Mesmo quando Bruno precisa ser o apoio
para o pai não desabar.
Fiquei com as duas histórias na cabeça. Com a proximidade do
dia dos pais, foi inevitável lembrar essa coincidência e pensar na reflexão que
os filmes, em conjunto, trouxeram. Não sou pai e perdi o meu muito cedo, mas me
atrevo a afirmar que a moral de todas as histórias entre pais e filhos, com ou sem tapas e beijos, é... Na vitória ou no fracasso, na alegria
ou na vergonha, o que um filho mais quer é poder andar ao lado do pai e segurar
a mão dele. E, mesmo que falho, imperfeito e desvirtuado, poder chamá-lo de
campeão.