terça-feira, 25 de março de 2014

Proezas de Proença

Nos idos do meu curso de Comunicação Social, Ivan Proença era o carrasco da FACHA. Para os ainda adolescentes e jovens, o ex-militar, com sua postura severa e carrancuda, era sinônimo de medo e pressão. Professor de Formação da Cultura Brasileira e Cultura Brasileira Contemporânea, Ivan também era contrário àquilo que boa parte dos alunos prezavam como 'expressão artística', o que dificultava a simpatia e a comunicação. Embora ouvíssemos histórias, não conhecíamos nosso professor além daquela capa.

Na época, minha turma foi uma das primeiras a ter 100 por cento de aprovação na cadeira que ele lecionava, motivo para elogios no fim do curso. A relação foi amenizada ali, depois do esforço coletivo. Anos depois, lembro da grata surpresa de ver o professor dançando ao som de Beatles, em um show da banda cover de outro professor. Mas a real influência de professores como Proença (e dos muitos colegas) só foi sentida com o tempo... Afinal, foi lá que, como todo estudante de Comunicação, abri a cabeça pro mundo e pro próprio Brasil.




Ontem, com a estreia da série 'Os Advogados contra a Ditadura' e a divulgação do filme 'Os militares que disseram não" - ambas da Caliban Produções Cinematográficas, Ivan voltou para a vida de muitos 'fachistas', lembrando aos que um dia o julgaram um carrasco que ele sempre foi o oposto. Ali, ele aparece como o então capitão do Regimento Presidencial que, no dia 01 de abril de 1964, cercou e apontou as armas de sua tropa contra golpistas que encurralaram centenas de estudantes e trabalhadores no Largo do CACO. Preso logo depois do feito, Ivan foi levado para a Fortaleza de Santa Cruz e, depois, para o Forte Imbuí. Deixou as Forças Armadas, foi cassado e perseguido por vinte anos.

Como diria o ficcional e também professor Dumbledore (o Pop para descontrair o texto): "É necessária muita audácia para enfrentar nossos inimigos, mas maior audácia para enfrentar nossos amigos." Embora hoje os golpistas não sejam considerados amigos, na época era bater de frente contra o próprio lado para defender o que se acha certo. Isso não é fácil... E, seguindo as palavras do jurista Sobral Pinto, citado no documentário: Não é coragem... É capacidade de se indignar.

Ontem e hoje, por diversos motivos, colegas agradecem pelo fato de terem sido alunos de Ivan Proença. Eu vou além... Muitas vezes visto como correto demais, carrancudo demais e indignado demais, peço apenas para que um dia possa ter a mesma audácia.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Percepção Atrapalhada

O tempo brinca com a nossa percepção...
E faz com que ela se torne frágil e equivocada.

Um exemplo.
Quando criança, Os Trapalhões eram os super, super-heróis brasileiros.

O Didi de Renato Aragão era exemplo de imperfeição. Malandro, sacana, debochado. Alma de moleque. Talvez por ser o mais humano, no fim, era o que detinha a maior graça.

Dedé, como escada, era o que mais sofria. Muitas vezes ele exercia um tipo de liderança e, por ter a cabeça no lugar, era o que se preocupava em ganhar dinheiro. Por ser o mais sério, era o mais sem graça.

Mussum era o mais caricato. O que usava mais bordões, tinha uma linguagem própria e, por isso, o personagem mais bem construído.

Zacarias era a ingenuidade. E, por representar a pureza da criança, era o que mais trazia o sentido de amizade. Ao lado de Mussum, parecia ser apenas número para formar grupo. Mas era ele, sensível, querido e protegido, quem tinha a qualidade para unificar os quatro. E esse era seu maior mérito.



O tempo passou. Dois deles morreram, os outros dois seguiram.
Eu, é claro, cresci.
E minha percepção mudou.
Hoje, meus heróis são bem mais humanos.

Zacarias, sem dúvida, era o melhor ator. Não se via o homem por trás da ingenuidade, porque aquele era quem ele deveria ser e era aquilo que queria representar... A pureza da criança. No fim, era ele o personagem mais caricato e mais bem construído.

Mussum, apesar dos bordões e da linguagem própria, era uma extensão do próprio homem por trás do personagem. Malandro, sacana, debochado. Alma de moleque. Talvez por ser o mais humano, era o que detinha a maior graça.

Dedé foi o que mais sofreu. No meio dos anos 80, quando o grupo se separou comercialmente de Aragão nos cinemas, ele parecia exercer maior liderança no trio formado com os demais. Talvez, por proteção do que era seu e dos amigos. No fim, foi o que trouxe maior sentido de amizade. Nas entrevistas posteriores, é o mais sensível, que expressa saudade dos que foram com sinceridade mais aparente. Era ele, como escada, quem tinha a real qualidade para unificar os quatro.

O Renato Aragão de Didi foi exemplo de imperfeição. Ele sempre exerceu um tipo de liderança e foi ele quem formou o grupo. E esse foi o seu maior mérito. Mas era ele quem mais se preocupava e sabia ganhar dinheiro. E por ter esse lado mais sério, no fim, foi o mais sem graça.

O tempo brinca com a nossa percepção...
E faz com que ela se torne frágil e equivocada.

Talvez ainda faça.
Porque é mera percepção.
E se está próxima da verdade... Talvez nem o próprio tempo possa dizer.

E isso serve para qualquer percepção, muito além deste exemplo meio atrapalhado.

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