quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A vida é uma história cheia de som e fúria...

Nunca fui de Teatro.
Já tentei escrever peças.
Já tentei produzir peças.
E ainda tento...
Mas não sou um 'homem de Teatro'.

Minha experiência com teatro foi, até então, amadora.
(Graças a Deus.)

Em 2010, comecei uma pós-graduação em Produção Cultural.
Comecei, mas não terminei.

Uma das aulas era de introdução ao Teatro.
Era para ser às Artes Cênicas, mas o professor limitou-se ao Teatro.
Uma noção básica da história da arte e, ao final, um trabalho sobre o que foi dito.
Tema livre. Formato livre.

Resolvi traçar um paralelo da minha experiência teatral...
Fazer um portfólio do que já fiz, entre produções de amigos, peças "escolares" e a produção 'quase' profissional. Além da minha experiência como espectador.
No meio das abordagens, a experiência de quem "ama" e, mesmo sem técnica ou estudo, trabalha com a essência. O que toca o espectador. O que toca o projeto de ator em cima do palco.

A resposta do professor foi direta...
A ideia de abordar por experiências pessoais seria válida, digna de boa nota, se estas fossem relevantes.
O que não era o caso.

Até hoje questiono o que é ser relevante.
Ter importância?
O que vivi e o que assisti não teve importância...
Eu sou o tal idiota.

Lembrei desse questionamento assistindo a uma cena de "Som e Fúria".
O contexto: funcionários de uma empresa fazem um workshop de teatro no Teatro Municipal.
Não-atores. Sem experiência, sem relevância.



Qual a função do teatro?
A que ele se presta?

Ir ao teatro é importante para o crítico, o estudioso, o iniciado e o leigo ignorante.
Para o poeta sensível e o machão troglodita.
Cada um pode ser atingido com relevância.
E cada um deveria experimentar um dia subir em um palco, decorar o texto e as marcas, colocar as emoções e enfrentar a plateia.

A experiência em si já é relevante.
Porque qualquer sentimento, impressão, descoberta, reflexão ou aprendizado é relevante.

O teatro é a vida.
E a vida é um teatro.
Cabe a cada um perceber a relevância de seu papel.

"O mundo todo é um palco. E todos, homens e mulheres, apenas atores. Eles entram e saem de cena. E cada qual a seu tempo representa diversos papéis."
(William Shakespeare)

sábado, 14 de janeiro de 2012

Nariz de palhaço: Era uma vez no futuro...

Alexandre conecta-se ao Imac 1000.
Um piscar de olhos e o acesso aos arquivos é liberado.
Ele pede ao computador para que abra a pasta de vídeos.
Dezenas de arquivos soltos...

Um adolescente entra no escritório e puxa uma cadeira para ajudar o avô nas escolhas.
Clipes, shows, entrevistas.
Alexandre tem necessidade de passado.

Um vídeo surge no ar.
A lembrança é vaga.
E Alexandre não entende como aquele arquivo, talvez um dos mais importantes, pudesse ter se perdido no tempo.

Com ansiedade na voz, Alexandre pede para que o neto acione o player.
Um chapéu. Uma mesa. Uma escultura. Um programa de peça de teatro.
Discos de vinil, uma vitrola, um violão.
E acordes.
O neto observa os olhos ao lado. Pensa que, a cada dia, eles estão mais enrugados.

Entra em cena o homem do vídeo.
Julinho não era apenas um amigo do pai de Alexandre.
Era parte da voz e da letra que ajudara a construir aquela música.
Era amigo íntimo e parte da lembrança que Alexandre carregara do pai.
O pai em um sorriso esquecido.
Um sorriso parecido com aquele que o neto fitava ao lado.

As imagens seguem e Alexandre lembra-se de Pedro, o idealizador.
Pedro, que envelhecera junto e distante.
Presente nas notícias e nas mensagens enviadas pela esposa, Mariana...
Ausente nos reencontros para chopes e risadas.

Os últimos encontros do grupo resumiam-se a momentos tristes.
Depois de boates, bares, noivados, casamentos, chás de bebê, batizados e festas infantis, só restavam os velórios.
Afinal, assim é o ciclo da vida...

Para não esquecer a imagem do amigo diretor, Alexandre recorria à rede.
Pedro estava semanalmente no canal de cinema, dividindo a mesa com um consagrado cineasta e duas jovens promessas.
O choque de gerações era o programa mais acessado do canal.
Uma discussão aberta sobre os caminhos tortuosos do cinema brasileiro.
De óculos redondos, chapéu panamá e gravata borboleta, Pedro fazia a vez da figura amargurada. Um homem de postura crítica que, depois de velho, ficara desacreditado de mudanças.

Julinho agora sorri.
Um palhaço-poeta disposto a espelhar sorrisos.

Como Pedro, que fora e era feliz na carreira e na vida íntima, pôde se tornar um personagem assim?
Bem... Vá lá. O público precisava de Pedro.
Toda geração precisa de seu Paulo Francis, de seu Arnaldo Jabor.

Na reflexão sobre a carranca de Pedro, Alexandre lembra-se da última força daquele vídeo.
O único rabugento que fora verdadeiramente rabugento.
Um amigo com quem dividira sonhos e parcerias.
Um amigo que não conseguiu tudo o que queria, mas que, reclamão ou não, construira uma estrada.
Um amigo que deixou saudades e agora, num frame, aparece no vídeo.

O palhaço olha para os alunos na sala de aula e Alexandre se vê novamente jovem.
Agora é a vez do avô perceber a presença ao lado.
Um olhar adolescente, treinado para encontrar defeitos e diminuir o antigo.

A testa sem rugas está franzida.
Pelo som, pela luz, pelos cortes, pela produção.
O silêncio musical é quebrado.
E a voz de ancião sobressai ao pré-julgamento:
- Às vezes a gente não consegue planejar direito o que precisa fazer. Às vezes a gente não tem tempo suficiente pro que precisa fazer. A gente só sabe que precisa fazer. E a gente faz... Pra ver o que vai dar no final. E, mesmo imperfeito, é no final que a gente percebe que precisava fazer assim mesmo... Sem planos e sem tempo.

O neto não responde e volta-se novamente para o silêncio musical do vídeo.
Tudo bem... Um dia ele vai entender.

O velho músico olha para as imagens finais.
As fotos passam corridas e a cabeça voa longe.
A felicidade no espelho
Um espelho da felicidade dos outros.
A necessidade de espelhar a própria felicidade.
Alexandre lembra novamente do pai, da mãe, da irmã, da esposa, dos filhos e netos.
Em frames...
Julinho, Pedro, Mariana e o amigo rabugento.

O neto de Alexandre olha novamente para as rugas ao lado.
Agora elas estão espremidas entre um sorriso e uma lágrima.

O vídeo termina e o player é fechado com comando de voz.
O neto se levanta, coloca a mão sobre o ombro do avô e sai.
Os olhos umedecidos piscam e o Imac 1000 é desligado.

A vida segue...Como sempre seguirá.

Mas o nariz de palhaço continuará espelhado no chão.
Solto, para quem mais quiser pegar.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

No bar com os amigos

Começo o ano cercado de velhos amigos.
Amigos já não tão jovens e de longa data.
É sempre bom repor forças e reanimar amizades.

E eis que reencontro alguns, mais uma vez, no bar.
E entre lembranças, novidades, risos e busca de assunto, surge novamente a pergunta que ouço há anos...

- Mas você não bebe nada? Como consegue?

Eu também me pergunto isso.
Não é moralismo.
Não é receio de exagerar, ficar chato ou pagar mico.
Não é economia.
Talvez seja mesmo gosto e hábito. Que pode ter virado hábito por economia...
Hoje não é mais.

Em todo caso, uma resposta rabugenta sempre me vem à cabeça.

- Estar comigo (e 'me aguentar') pode ser uma desculpa sua para beber, mas eu... Eu não preciso de desculpas para estar com você.

OK... Rabugento e meio cafona.
Como quem pergunta é sempre um amigo e não quero deixar de ser amigo, seguro a resposta. Porque embora o final seja sentimental(óide), o tom realmente sairia a la Saraiva...

Mas a gente engole a resposta, no lugar da bebida.
E releva.
E se acostuma.
E continua indo pro bar, pra festa, pra night, acompanhado de amigos bêbados.
Porque, afinal... Mesmo pro sóbrio, é melhor ter amigos bêbados do que não tê-los.