sábado, 14 de janeiro de 2012

Nariz de palhaço: Era uma vez no futuro...

Alexandre conecta-se ao Imac 1000.
Um piscar de olhos e o acesso aos arquivos é liberado.
Ele pede ao computador para que abra a pasta de vídeos.
Dezenas de arquivos soltos...

Um adolescente entra no escritório e puxa uma cadeira para ajudar o avô nas escolhas.
Clipes, shows, entrevistas.
Alexandre tem necessidade de passado.

Um vídeo surge no ar.
A lembrança é vaga.
E Alexandre não entende como aquele arquivo, talvez um dos mais importantes, pudesse ter se perdido no tempo.

Com ansiedade na voz, Alexandre pede para que o neto acione o player.
Um chapéu. Uma mesa. Uma escultura. Um programa de peça de teatro.
Discos de vinil, uma vitrola, um violão.
E acordes.
O neto observa os olhos ao lado. Pensa que, a cada dia, eles estão mais enrugados.

Entra em cena o homem do vídeo.
Julinho não era apenas um amigo do pai de Alexandre.
Era parte da voz e da letra que ajudara a construir aquela música.
Era amigo íntimo e parte da lembrança que Alexandre carregara do pai.
O pai em um sorriso esquecido.
Um sorriso parecido com aquele que o neto fitava ao lado.

As imagens seguem e Alexandre lembra-se de Pedro, o idealizador.
Pedro, que envelhecera junto e distante.
Presente nas notícias e nas mensagens enviadas pela esposa, Mariana...
Ausente nos reencontros para chopes e risadas.

Os últimos encontros do grupo resumiam-se a momentos tristes.
Depois de boates, bares, noivados, casamentos, chás de bebê, batizados e festas infantis, só restavam os velórios.
Afinal, assim é o ciclo da vida...

Para não esquecer a imagem do amigo diretor, Alexandre recorria à rede.
Pedro estava semanalmente no canal de cinema, dividindo a mesa com um consagrado cineasta e duas jovens promessas.
O choque de gerações era o programa mais acessado do canal.
Uma discussão aberta sobre os caminhos tortuosos do cinema brasileiro.
De óculos redondos, chapéu panamá e gravata borboleta, Pedro fazia a vez da figura amargurada. Um homem de postura crítica que, depois de velho, ficara desacreditado de mudanças.

Julinho agora sorri.
Um palhaço-poeta disposto a espelhar sorrisos.

Como Pedro, que fora e era feliz na carreira e na vida íntima, pôde se tornar um personagem assim?
Bem... Vá lá. O público precisava de Pedro.
Toda geração precisa de seu Paulo Francis, de seu Arnaldo Jabor.

Na reflexão sobre a carranca de Pedro, Alexandre lembra-se da última força daquele vídeo.
O único rabugento que fora verdadeiramente rabugento.
Um amigo com quem dividira sonhos e parcerias.
Um amigo que não conseguiu tudo o que queria, mas que, reclamão ou não, construira uma estrada.
Um amigo que deixou saudades e agora, num frame, aparece no vídeo.

O palhaço olha para os alunos na sala de aula e Alexandre se vê novamente jovem.
Agora é a vez do avô perceber a presença ao lado.
Um olhar adolescente, treinado para encontrar defeitos e diminuir o antigo.

A testa sem rugas está franzida.
Pelo som, pela luz, pelos cortes, pela produção.
O silêncio musical é quebrado.
E a voz de ancião sobressai ao pré-julgamento:
- Às vezes a gente não consegue planejar direito o que precisa fazer. Às vezes a gente não tem tempo suficiente pro que precisa fazer. A gente só sabe que precisa fazer. E a gente faz... Pra ver o que vai dar no final. E, mesmo imperfeito, é no final que a gente percebe que precisava fazer assim mesmo... Sem planos e sem tempo.

O neto não responde e volta-se novamente para o silêncio musical do vídeo.
Tudo bem... Um dia ele vai entender.

O velho músico olha para as imagens finais.
As fotos passam corridas e a cabeça voa longe.
A felicidade no espelho
Um espelho da felicidade dos outros.
A necessidade de espelhar a própria felicidade.
Alexandre lembra novamente do pai, da mãe, da irmã, da esposa, dos filhos e netos.
Em frames...
Julinho, Pedro, Mariana e o amigo rabugento.

O neto de Alexandre olha novamente para as rugas ao lado.
Agora elas estão espremidas entre um sorriso e uma lágrima.

O vídeo termina e o player é fechado com comando de voz.
O neto se levanta, coloca a mão sobre o ombro do avô e sai.
Os olhos umedecidos piscam e o Imac 1000 é desligado.

A vida segue...Como sempre seguirá.

Mas o nariz de palhaço continuará espelhado no chão.
Solto, para quem mais quiser pegar.

4 comentários:

Mariana disse...

Que coisa linda, Alan! Incrivel sensibilidade! Vc é muito especial! bjs carinhosos

Venerável Victor disse...

Muito bom cara, estou fugindo dos "Pedros' da vida, que mesmo ainda na fase dos casamentos e batizados teimam em aparecer precocemente.

Anônimo disse...

Alan, que coisa mais linda... eu não tinha visto o vídeo todo, com toda a atenção que ele e vc merecem. Agora sim. Amei, é lindo. E foi maravilhoso ver a sua carinha no final. Te gosto muito, amigo. Parabéns pela sua estrada! Bjs

teoriasrabugentas disse...

Valeu pelas palavras e pela força, galera!

E sabe... Eu sempre penso...
Se um dia a minha estrada me levar a um lugar ao sol, eu vou lembrar que você, Anônimo, esteve sempre ao meu lado!