segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Bruno Bloch tem alguma razão

Eu tinha feito este texto pra entrar há quase um mês.
No começo do Festival do Rio... Lá pro dia 05.
Mas fiquei enrolado e esqueci de postar.
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Marcos Bernstein é roteirista de filmes como ‘Central do Brasil’, ‘Chico Xavier’, ‘Terra Estrangeira’ e ‘Zuzu Angel’. Ele também é roteirista e diretor de filmes como ‘O outro lado da rua’ e da nova versão de ‘Meu pé de laranja lima’, que assisti nesta segunda-feira, no Festival do Rio (vide post anterior). 



Não conhecia a história. Nunca li o livro, nunca vi nenhuma adaptação pra TV ou Cinema. O filme é bem dirigido, bem roteirizado e traz mais um ator-mirim digno de prêmio. Fui procurar referências anteriores e vi que foram feitas três novelas da história.

Há duas semanas, assisti a uma palestra com Bernstein na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Dentre as revelações de trajetória, o fato de estar hoje na TV e de ter escrito com Lícia Manzo a novela A Vida da Gente - que contou também com o talento da promissora Giovana Moraes (eu, um bajulador).

Bruno Bloch é amigo e também é roteirista.
Profundo conhecedor e defensor de séries televisivas, Bruno é do tipo que não gosta de telenovela. Embora a palestra citada acima comprove que, para viver de ficção no Brasil, o autor deve cogitar a possibilidade de escrever uma, não culpo o Bruno por isso. Escrever novela pode interessar pela mudança dos rumos pensados para a história, por poder surpreender o público, além de dar a certeza de que o seu trabalho está sendo visto em escala nacional. No entanto, existem coisas em novelas que são bem difíceis de fazer (e de engolir). Pelas limitações de produção e tempo, por mais genial que seja, o autor não consegue fugir de certas armadilhas... E pra quem está do outro lado da rua, ‘a armadilha é certeira’.

Vamos listar alguns destes incômodos ‘novelísticos’, pra ver o que sai:
1- Os trocadilhos e frases feitas são usados com exaustão (máxima Blochniana). Sempre tem um “Você me paga”, um “Ah, você não me conhece...” ou um “Eu vou acabar com a sua raça”.  Além, é claro, daquelas frases de pára-choque de caminhão.

2 – Falas explicativas – Quando não se pode mostrar o passado ou o que ainda está por vir, um personagem terá que explicar. Isso é limitador, mas não chega a ser o pior. O pior é quando a coisa foi ou será mostrada, mas, mesmo assim, o personagem explica. É o mutante da novela dizendo para a vítima como e por que vai acabar com a raça da vítima segundos antes de efetivamente acabar com a raça da vítima.

3 - Falas explicativas de apresentação de personagem – Um pouco mais específico. Um personagem entra para falar do passado ou das características de um segundo personagem. Geralmente, o primeiro fala com um terceiro que, pela relação interpessoal, já está (ou deveria estar) careca de saber como é ou o que aconteceu com o personagem em questão. Mesmo assim, a conversa segue, porque o espectador precisa saber.

4 – Falar o que se sente - Não basta a atuação ou a ação. Não basta já termos entendido tudo por uma determinada atitude. O personagem tem que dizer o que está sentindo e o que a levou àquele sentimento... E o quanto é difícil sentir aquilo tudo.

5 – Falar o que se pensa - O personagem está sozinho, aflito e fala pra si... (Tem que dar o recado pro espectador!) E faz uma expressão de angústia ou preocupação.
Esta nos leva para: 5b - Deixa do que vai acontecer – O personagem está aflito e fala alto, pra si. Mas não é um pensamento qualquer. É uma pergunta! “Será que ele vai conseguir as provas?”. E isso não é apenas insegurança do personagem. Isso é a deixa dos próximos capítulos... Atenção, aí vem a corrida pelas provas. E de duas, uma: ou o “ele” vai conseguir as provas sozinho ou a própria pessoa que faz a pergunta será fundamental para que o “ele“ consiga as provas.

6 – Soluções rápidas para um problema - O autor tem que seguir com a história. Um conflito tem que surgir, mas tem que ser solucionado. Não há tempo. Vamos com a mais fácil ou a mais extraordinária. Assim, fotos impressas são perdidas ou destruídas em pleno século XXI (valeu pela dica, João!), cartas reveladoras surgem do nada ou a cidade é vítima de terremoto para diminuir o elenco. E o Juca de Oliveira, o Denis Carvalho, o Jorge Fernando ou qualquer diretor ou ator consagrado pode também aparecer do nada pra trazer uma informação nova ou dar um final feliz pra alguém.

7 - Jargão de personagem cai na boca do povo – Não é brinquedo não! Pode ser uma frase simples, uma palavra, uma grande tirada ou uma frase que se salvou de ser ruim porque foi dita de forma diferente pelo ator. Não importa... O que importa é que sempre vai aparecer quando o personagem não tiver nada melhor pra dizer. E vai ser repetida até depois de depois de encher o saco...

8 – Estereótipos e clichês – Estão nos traços característicos do personagem e nos conflitos. Esses são de praxe. O espectador já espera por eles. Novela não é novela sem eles. São os gêmeos que vão trocar de identidade (e se apaixonar pela mesma pessoa); o casal que não pode ficar junto por diferença social; o Romeu e Julieta – com famílias rivais; o irmão mal do irmão bom; o velho que parece mal, mas no fundo é bom; a empregada engraçada; a suburbana sonhadora; o rico que não quer perder ou quer recuperar a fortuna; aquele que volta para se vingar (um clássico dos dias de hoje); etc. Esses são mesmo de praxe. Só coloquei pra lista ficar com dez itens.

9 – Os núcleos – Toda novela tem que ter núcleo. E toda novela tem que ter um núcleo rico, um núcleo pobre e um núcleo cômico, que pode ser um dos outros dois. Assim, aprendemos que na vida os ricos sempre encontram com os pobres. Ricos sempre se apaixonam por pobres. Ricos sempre moram em casarão com escadaria. (Mesmo quando é ‘apartamentão’, tem que ter uma escada.) Por outro lado, novela é drama e tem que ter alguma coisa pra aliviar a tensão. Tem que ter uma graça, que pode vir do núcleo pobre ou do rico. Mas não confundam... Se o patrão é engraçado, o empregado também é. Porque ali é o núcleo. O empregado é pobre, mas faz parte do núcleo rico e engraçado... Assim como na vida.

10 – O final feliz – Com raras exceções, de uma forma ou de outra, vamos ver um vilão se ferrar. Não precisa ser todo vilão. Só o menos carismático... Ou o mais vilanesco. Já o/a protagonista tem que se dar bem. Ele pode perder alguma coisa, mas tem que ser só um pouco. No mais, ele tem que terminar bem emocional e financeiramente (e de saúde). E mesmo que ele não case ou tenha filhos no final, alguém na novela tem que casar e ter filhos. Pode ser aquela amiga gente boa que ajudou a protagonista ou mesmo o irmão engraçado da protagonista. Ou pode ser a amiga gente boa com o irmão engraçado da protagonista (olha, quem diria... Logo eles que brigaram a novela toda!). Porque é isso que muitos esperam da vida. Ou o que muitos esperam que a gente espere: Sucesso, companhia e continuidade. Isto é, um sentido de realização. Sem considerar que negócios podem falir, relações podem esvaziar e filhos podem desvirtuar.

Eh... Não sei. Mas até que o Bruno Bloch tem alguma razão.


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