sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Colombina Yê Yê Yê (ou Os Rabugentos também vão para o Céu)

Certas perdas não podem ser descritas em palavras.
Hoje li um texto de Veríssimo, que fala de uma frase de Nietzsche: “Aquilo para o qual encontramos palavras é algo que já morreu em nossos corações.” 
Talvez seja por isso que certas perdas não possam ser descritas.
(Embora a interpretação do texto seja outra...)

No último fim de semana, minha família teve uma dessas perdas.
As palavras não vieram até agora...
Não apenas porque foi grande, foi próxima, mas porque é muita coisa pra lembrar.

O que posso dizer é que ela tinha um lado rabugento, com o qual, de vez em quando, me identificava. 
De vez em quando porque éramos... Somos rabugentos por motivações diferentes.
Mas o que importa é tudo que puxei dela, inclusive isso. 
Além, é claro, do que a gente herda de ensinamento...
Aquilo que fica preso na memória. Toda informação ou todo conselho.
(E eu aproveitei muito o tempo, enquanto ela teve memória.)

Na semana passada, o Carnaval já se aproximava sem muita animação.
A notícia caiu como uma bomba no pouco que restava...

A semana seguiu. Com o tempo, a gente começa a deixar a tristeza mais profunda sair.
E como ela não era muito dada a Carnaval, imaginei que, embora já não seja uma época que condiga com luto, não haveria muito como associar o evento a ela. 
Ontem, no entanto, vi que uma pessoa que faz parte de você não escolhe tempo, lugar ou situação para aparecer.

 - Pausa para uma explicação...

Na época da Faculdade, tive uma cadeira fundamental: Formação da Cultura Brasileira. Embora nem todos aqueles jovens levassem a sério, acredito ser o tipo de matéria que qualquer jovem deveria ter. 
Um dos trabalhos para avaliação era a pesquisa sobre um nome antigo da Música Brasileira. Eram músicos, cantores ou compositores sobre os quais nunca ouvíramos falar. 

Fui sorteado com Roberto Audi, cantor e compositor da Era do Rádio. Minha fonte inicial foram as bibliotecas, mas em determinado momento recorri a ela, que vivera aquela época de perto, com um marido motorista da Rádio Nacional e uma cunhada cantora de Rádio. As conversas foram muitas e as lembranças eram muito presentes... Como, aliás, eram as conversas sobre o passado em geral. Porque a nostalgia também foi uma herança dela. 

A partir dali, passei a escutar muito mais a música da época. Do Trio de Ouro ao Trio Irakitan, de Blecaute às Irmãs Batista...
Cheguei a conversar uma vez com Roberto Audi pelo telefone, mas, pela saúde já debilitada, não consegui marcar uma entrevista. Dois anos depois de entregar o trabalho, ele faleceu.
Lembro que partilhamos a notícia. 

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Ontem, saindo do trabalho, cruzei com um desses blocos do Centro. Sem o menor ânimo, desviei da rua. No caminho da faixa de pedestre, fui ouvindo a melodia da marchinha que animava os foliões. Colombina Yê Yê Yê, de João Roberto Kelly e David Nasser, um dos sucessos gravados por Roberto Audi. O sucesso, aliás, que ela lembrou assim que ouviu o nome do cantor.

Foi ali que me dei conta que a marchinha vai continuar tocando pelos carnavais afora e eu sempre lembrarei dela, em cada bloco, baile ou bar. Isso pode ser triste, mas também pode ser muito bom.

Neste Carnaval, pretendo fugir da tristeza. Ela ia querer isso.
Mas ainda fica aquela sensação... Não sei se caso ou compro uma bicicleta.
O melhor é deixar o vento levar.
E deixar as demais palavras sobre ela virem no seu tempo.

E que Roberto Audi - ao lado de Roberto Esteves e tia Regina - receba minha avó Maria com toda a festa. 
Para que, em tom de cumplicidade, ela se vire pra algum Rabugento do Céu e diga: - 'Nossa, mas essa música tá muito alta!'

3 comentários:

Ana disse...

amigo, as lembranças são delicadezas, pequenas pérolas, jóias, e caixinhas de surpresa também! que o vento te traga paz no coração e muito yê-yê nessa vida.

rosanapombo disse...

Sou amiga do Marco e da Fatinha desde que vcs eram bem pequenos. Sabia que Vc tinha um ar "rabugento", mas alguma coisa aí dentro não era. Agora, vejo seu talento para escrever, que desconhecia. Parabéns! Texto adorável. Rosana.

Bragagina disse...

Só o tempo poderá amenizar a tristeza que nos visita neste momento. Portanto, é viver e deixar o tempo passar!